sexta-feira, 21 de abril de 2017

A Fada e o Poeta

Uma fada púrpura dançava uma linda dança de encantar. Era a fada mais animada de todo o reino. Vem dançar; convidava ela a quem passava. Vem dançar comigo. Mas ninguém aceitava.
Aquele era um entardecer de oiro (todos os entardeceres são de oiro, e as noites são de prata, mas isso toda a gente sabe) em que, uma vez mais, a fada não tinha companhia. Por isso chorava. E chorava... chorava. De tanto chorar, um lago cresceu debaixo dos seu pés.
Sei como é difícil acreditar mas, com o tempo, esse lago cresceu tanto que se tornou num esplêndido mar; e a fada? A fada transformou-se numa linda sereia.
E assim foi, a sereia continuou, pelo mar, a convidar todos para dançar. Numa noite de prata convidou Camões, que por aquele mar navegava, e ele aceitou! Dançam até hoje, e tão bem que ela se tornou a musa de Camões, e Camões o seu par.
Que lindo par eles fazem; todos dizem.


Como os lírios do campo

Num sorriso de verdade qualquer um de nós consegue ver uma aldeia com telhados doirados, janelas abertas ao sol e um forno comunitário que coze pão todo o dia.
Para praticarmos este sorriso de verdade precisamos de pelo menos três qualidades: são elas a sinceridade, a compaixão e a alegria. Quando estas três qualidades se juntam, como que para um baile de aldeia, um sorriso de verdade cresce no nosso rosto.
Este é um sorriso semelhante aos lírios do campo, que só nascem quando as condições certas acontecem.


Para o amor surgir

A palavra AMOR constrói-se com a letra A, com a letra M, com a letra O e, por fim, com a letra R.
Assim se constrói a palavra amor. Juntando quatro letrinhas, pela ordem necessária.
Agora, transferindo isto para a vida prática, como se constrói o Amor? Que características serão necessárias juntar pela ordem natural?
Dir-me-ão provavelmente:
- O amor não se rege pelas mesmas leis que a palavra AMOR!
Como podem ter tanta certeza?... Pois, até mesmo para o amor surgir, é preciso combinar uma sequência natural de sinais.


Do destino de homens e folhas

A folha verde planava. Nessa viagem de encantar, saboreava o instante. Momento mágico em que planava livre e solta. Livre como um pássaro, estava feliz. Quando aterrou, no chão verde dum jardim bonito, chegou ao seu destino. Em breve, a terra viria aconchegar-lhe os lençóis e desejar uma noite descansada.


O nosso destino é morrer

Passos, escuto passos. São homens que caminham para aqui, para o seu destino. Passos escuto passos, eles querem aqui entrar.
Passos, escuto passos. São homens que se aproximam.
- Abre...
- Vão embora!
- Não... Andemos muito para aqui chegar. Agora não podemos voltar atrás.
- Vão embora!!
Os homens sentaram-se à porta do destino e esperaram até que a morte os levou. Então, sim, puderam entrar.


quinta-feira, 20 de abril de 2017

Ao encontro do ser humano

Era Inverno e o vento levantava as estradas no alto do céu. Como um ciclone, o vento encurvava as estradas no alto do céu. Nesse Inverno, as estradas escreveram frases lindas no alto do céu.
Quando chegou a Primavera, no alto do céu as estradas cortaram nuvens, contornaram nuvens no alto do céu e desenharam emoções entre o sol e a lua.
Depois chegou o Verão, e com ele o calor do Verão. O alcatrão das estradas derreteu e, cá em baixo, choveram estradas. Até que, lá em cima, nenhuma estrada ficou.
Depois o Outono trouxe o cair das folhas, mas nenhuma estrada desceu com as folhas. Já que as estradas tinham caído todas antes de tempo.
Tudo isto aconteceu com as estradas. Todavia podia ter acontecido connosco. Mas isso não ocorreu. Felizmente isso não aconteceu... isso ainda não aconteceu.
Lá no alto, lá no cimo do céu, nenhum ser humano voa sem ter asas. Lá em cima, lá no alto do céu, nenhum ser humano permanece sem ter asas. Mas todos os seres humanos voam cá em baixo sem ter asas, os seres humanos voam melhor onde não precisam ter asas.
Voam com a sua imaginação. Eles voam com a sua imaginação, eles caminham por estradas que atravessam nuvens. Livres eles voam com a sua imaginação.
É cá em baixo que o ser humano se encontra. Ele poderá voar se tiver asas, mas lá em cima só encontrará solidão, porque ele próprio não se encontra lá em cima.
É cá em baixo que o ser humano se encontra com ele próprio. É cá em baixo onde o chão seja firme.
» Para se encontrar em equilíbrio, o ser humano necessita harmonizar forças (fogo, água, terra, ar) numa sequência de intenções.


Da montanha num terreno árido

Conquistado o pedaço de terra, árdua fadiga, súplica tamanha. Pedra depois de pedra, limpando o terreno, amontoando dores. É contraditório o impulso que leva a seguir adiante, porque este também acarreta entraves.
Sobre o terreno árido, as pedras descansam, fundeando-se o mais que podem. Sem querer, o milagre acontece. Sempre sem querer...
O querer é impulso que leva a seguir adiante, mas que acarreta esses entraves. São eles  pedras pesadas que pousam na terra árida do terreno como tartarugas... redondas e lentas. Peso que empurra o solo árido do terreno, que o calca.
E uma pedra pequena no sapato do caminhante, com o tempo cresce e se torna do tamanho da montanha alta que se vê ao fundo.


O sobe e desce da vida

A descida continuava a descer. Eu descia, descia, descia... No fim da descida, sentei-me.
Olhando para trás, contemplava uma imensa subida. Não tinha agora outra solução, apenas subir!
Levantei-me e subi, logo parei. Olhando para trás, contemplava agora a descida que há pouco era uma subida. E desci.
Quando cheguei ao fim da descida, dei meia volta e subi. Depois desci um pouco, para novamente subir um pouco, e assim fiz por dias, meses e até anos.
Por fim, cansado, deitei-me. Quando o fiz, já nem subia nem descia. «Percebera que as subidas e as descidas são a mesma coisa, basta mudar o nosso ponto de vista.»

- Dizem que é na hora da morte que nos deparamos com a simplicidade da vida, pena já ser tarde.

Pelas mãos da Deusa

Bandeiras ao vento alegram a tarde que já quer anoitecer.
Assobiando cantos de embalar os pássaros poisam nos melhores galhos.
Uma gargalhada de cristal, cintila, vinda do oriente. É um buda que passeia por lá. Vontade de rir assim - a minha maior vontade.
Quando os morcegos levantam nas alturas, a lua resplandece na noite cândida. Chegou a Deusa que aprecia a magia dos gestos. A ternura dos carinhos.
Depois, do tempo que durou, as mãos sucumbem aos últimos gestos e repousam, pousadas na pele suada daqueles que amam.
Logo pela manhã, actuais gestos repetem práticas seculares. Lavam o rosto e limpam as lembranças do passado.

À procura duma alma que se perdeu

- Uma alma perdida é uma alma por encontrar.
- Onde podemos encontrar uma alma perdida?
- Para encontrar uma alma perdida, o primeiro passo é começarmos a procurar. O segundo passo é lermos os sinais que o caminho nos vai dando. Por fim, o terceiro passo é convencê-la a vir connosco, a regressar connosco.
- Como podemos convencê-la?
- Parece uma tarefa difícil... no entanto, é muito fácil se lhe falarmos ao coração.
- As almas perdidas têm coração?
- Sim, têm. Por vezes é difícil acreditar, mas elas ainda têm coração!
- O que lhe devemos dizer, então?
- Na maioria das vezes nem precisamos dizer nada. Basta inundá-las com a luz do nosso amor. Como elas têm fome de luz, virão naturalmente connosco. Conhecem alguém que, tendo fome, se recusa a comer?
Dêem-lhes o vosso amor e elas regressarão ao lugar onde pertencem.


Como o vento num dia de temporal

As paredes no meu peito estreitam, apertam-me como se uma mão me fechasse e me enclausurasse dentro da tristeza.
Entendes? É uma Angústia desmedida que no meu peito faz ninho.
E sinto-me como o vento, livre dentro da minha tristeza. Sinto-me como o vento nos dias de temporal, pesado, arrastando tudo numa cólera tamanha.
Hoje sinto-me, assim, como o vento num dia de temporal.



Não me obriguem a morrer

No parapeito do precipício encaro a minha morte.
Não. Continuarei a escapar-me de ti, pelos tempos que hão-de vir.
Sou livre. Não me obriguem a fazer o que não quero. Sou livre, e irei viver para sempre.
A eternidade está dentro de mim.
A minha alma é quem sou. E continuarei vivo.
É este o meu desejo. Não me obriguem a morrer.


segunda-feira, 10 de abril de 2017

O que o Lego deixou escrito

Sou uma clematite. Sou o vento. Sou eu próprio quando sou a clematite e o vento. Sou quem sou quando sou tudo o que me rodeia. Se tiveres ao meu lado, sou quem és, e tu és quem sou. Sou o sol, se o sol existir em mim. Sou a mulher, se a mulher for quem sou. Sou Deus, se Deus existir em mim.
Sou quem sou se for tudo aquilo que me rodeia, desde a clematite, desde o vento, desde o céu, a estrela, o mar, o homem, a mulher. Desde Deus.
Eu não sou quem penso, só vou sentir quem sou quando tudo o que penso cair como um Lego - escrevendo quem sou numa mesa.
Sou o que o Lego deixou escrito.

A esperança que nos salva

Vejo no mundo vontades que me fazem aguardar por um mal pior. E vejo o que acontece como um prenúncio do que aí vem: uma força que derrubará tudo o que foi construído. 
Agora que a destruição espreita, apenas vontades diferentes têm o poder de mudar o rumo do que vai acontecer.
Ser feliz também é acreditar num futuro condigno para a humanidade. Pensar desta maneira, já faz crescer dentro de nós uma alegria imensa.
Então, acreditar que um futuro melhor é possível é já ser feliz. Apenas quem alimenta esta crença consegue ter esperança.

A esperança é a felicidade que nos acena.

Noite com sol

Era noite naquele dia de sol, era noite dentro de mim.
Naquele dia de sol andava às cegas, perdido no mundo. Sem orientação, esqueci o trilho e embrenhei-me na floresta.
Por lá, havia medos e sons que me arrepiavam.
Era noite dentro de mim, todo aquele dia foi de noite para mim.


quarta-feira, 5 de abril de 2017

A esperança brilha

Linda é a luz que no céu brilha.
O brilho da luz é parecido ao brilho das estrelas no céu, é idêntico o seu brilho.
Vejo a luz que no céu brilha e dentro de mim escuto uma voz que também brilha, como a luz brilha no céu. O brilho da voz é idêntico ao brilho das estrelas.
Então, a voz que brilha iluminou a esperança e indicou-me o caminho.


A frase que em mim deixaste escrita

Leio as palavras que os teus olhos escrevem dentro de mim. No meu coração cada letra faz parte de um todo, cuja mensagem diz que me amas.

Filhos de Deus

Oiço um som - no som algo me é dito -, uma voz vestindo um casaco gasto passeia ao meu redor e desperta a minha atenção.
A voz que é velha, de barba grande e cabelo branco, olha para mim e diz que eu sou o seu filho. E que tu és o meu irmão, e tu a minha irmã.

O significado das horas

Pela tardinha, o homem subia uma rua cónica. Ao tentar alcançar o topo da rua, escorregou, numa rotação centrifuga, pela rua abaixo. Foi assim que o homem compreendeu que as ruas podem ajudar-nos a compreender a linguagem dos símbolos.
Enquanto deslizava, o homem olhava o seu relógio e esforçava-se para ver as horas. Porém, apenas notava os ponteiros a fazerem o seu propósito, apontando. Apontavam para um número, o oito. Contudo, o homem não sabia o significado daquele número.
Finalmente quando o homem escorregou até ao começo da rua, sentou-se num banco de jardim. Compenetrado, pensava no significado das coisas do quotidiano:
Tinha um relógio, e o relógio apontava agora para as oito horas e cinco minutos. Que significado encoberto poderiam ter aqueles números?
O homem sacudiu o pulso, o seu relógio estava certamente avariado, pela primeira vez não lhe dizia o que ele procurava saber. Por fim, retirou o relógio do pulso e jogou-o para o chão.
Entretanto passou alguém que apanhou o relógio, perguntando se era do homem.
Este dissera que não. Contudo, depois quis saber as horas.
A pessoa disse: Oito e meia, está na hora do jantar!
De imediato, o homem compreendeu tudo, e exclamou: Devolva-me o relógio, é meu.
Constrangida, a pessoa devolveu o relógio ao homem que apressadamente se levantou do banco dizendo: É hora do jantar!